domingo, 3 de julho de 2016

AS VOZES EQUIVOCADAS


A actual Europa é um cerco de sombras, esquecidos os tratados que nem sequer eram belíssimos, perdido o sentido de coesão e solidariedade, envolta nas menos animadores REGRAS que já conheceu na contemporaneidade. Esta Europa tem uma cinta de norte, de países que desdenham os chamados países do sul. Inventada a regra da «austeridade», os países que soçobraram à péssima arquitectura do euro, despojados de moeda própria, vítimas de emigrações hemorrágicas, foram convidados a financiar-se com empréstimos supra-protegidos e sob tutela do FMI. 
Portugal tinha vivido grandes transformações e acreditou nas promessas de solidariedade e de sucesso entre  as instituições faraónicas da União Europeia. O ajustamento construtivo de meios estruturais capazes de fomentarem um verdadeiro desenvolvimento sobrecarregou o país em vias estruturantes, obras rodoviárias, equipamentos escolares, equipamentos sociais e outros, suportes dedicados ao turismo crescente. A certa altura, ainda sem retornos, a bancarrota aproximou-se bem como as promessas incentivadores da Europa. A crise também nos foi arremessada dos Estados Unidos da América, os impérios bancários tremiam e o dinheiro desaparecia da circulação.
O esplendor da Europa, anos antes, desapareceu sob nuvens pesadas e sujas, as guerras a leste do Médio Oriente, novas guerras santas e a ideia sacra de arrasar toda a cultura ocidental, levando o genocídio às populações cristãs, geradas em nome de Cristo e atravessando os mares, em Cruzadas, para demolir a cultura islâmica.
Que faz a Europa hoje, cristalizando os tratados e  absorvendo, fora dos seus próprios orgãos, o comando, o poder? Vimos, cada vez mais, a Alemanha comandar reuniões, fomentar ordens, alegar poderes e ideias do lado da Comissão, sem rei nem roque. Portugal teve de pedir um resgate e foi comandado por um primeiro ministro que seguiu à letra (ou letras maiúsculas) a ordem da austeridade, cortando grandes percentagens de reformas, aumentando taxas e impostos, assim gerindo o déficit que, em boa verdade, nunca chegou aonde devia. Os cortes temporários nos rendimentos do trabalho ou de compensação pelas reformas, são agora nomeados como REFORMAS. Nem um gabinete mudou, nem uma rede estrutural se instalou, nem os bancos foram devidamente supervisionados. E nos últimos tempos, após quatro anos, ainda o governo cessante teve de derramar milhões de euros para o Banif, entre outros buracos e securas dos nossos visitantes tecnocratas. Acabou o resgate, houve sinais de confiança, mas tudo perdeu estabilidade porque o não reformismo do governo terminado em 2015, sem legar ao que se seguiu uma verdadeira malha de módulos de positividade produtiva. Mas as coisas, apesar das franjas aniquiladas, alcançou entusiasmo e um novo governo viu o seu orçamento  aprovado, um governo à esquerda, com o PS e o Bloco de Esquerda (pela primeira vez assim, um passo assim). Sonharam-se plataformas de esperança e estão bem perto de situar o déficit abaixo dos 3% (2/2)%. Apesar disso, insistem os alemães, deve ser menos, tem de ser menos, quando legalmente até poderia ser 2,8%.
Ora este senhor que vemos em cima e em baixo é parte de muitas tensões e pressões no âmbito da Europa, talvez dentro e um pouco abandonada pelo Reino Unido. É ministro das finanças da Alemanha e não pára de aparecer em todos os cantos, sendo filmado e mostrado-se a dizer coisas indescritíveis sobre Portugal, que emagreceu e emigrou, desde 2011 até 2o15, "sob as ordens da Troika" e sabe-se lá por "quem mais". O sr Ministro Wolfgang Schäuble, deixou de gostar de Portugal. Embirrou porventura com a mudança de governo e com a mudança de critérios. E desatou a pressionar com bocas de corredor. Quase toda a gente diz que ele não devia portar-se assim. Podia criar um gabinete de audiência (jornais, políticos visados, estudos em curso, ordens a pensar, mesmo que não fossem do seu pelouro). Lastima-se o que lhe aconteceu, uma vida difícil, mas não deixa de ser patético ouvi-lo desmentir, carregar, inclinando o tronco para a frente sobre a cadeira de rodas.













SCHÄUBLE DIZ APENAS QUE PORTUGAL NÃO TEM 
CONTROLO E POR ISSO TEM DE PEDIR NOVO RESGATE
SABERÁ ELE TRADUZIR ALEMÃO PARA PORTUGUÊS?

domingo, 26 de junho de 2016

A BREXIT MANIA ENTRE PERDAS

                             A BREXIT MANIA ENTRE PERDAS


Andava toda a gente a remoer as decisões europeias e já a fina flor do Reino Unido lançava luz sobre uma certa promessa inicialmente feita pelo Primeiro Ministro: tratava-se do mais simples referendo através do qual os nobres ingleses (todos) iriam dizer se queriam ou não permanecer na União Europeia.
Houve forte ruído em torno disso mas o Parlamento do Reino Unido lançava luz sobre a promessa inicialmente feita pelo Primeiro Ministro, David Cameron: o que parecia ao simples cidadão, e apesar dos apertos de Bruxelas, a questão não parecia assim tão simples, mais ou menos como a dentada na maçã. Há dentes que sangram após essa atitude natural.
Um só dia depois do referendo, documentado nas televisões como uma bela lição de civismo, incluindo esse facto patético de dois velhos terem morrido após o acto de votar. A grandeza desta tragédia. Pois sim: eles haviam ouvido os debates, gente rangendo da pior maneira contra outra gente, campanha absurda que muitos terá aterrorizado: os tais velhotes, pelo menos. É que, durante a votação e a contagem dos votos, o imaginário dos velhos ainda vivos deve ter-se encantado com os cenários, os grandes espaços cobertos de mesas lado a lado, rapazes e raparigas lado a lado, trabalhando os montes de papéis e outros, em fila indiana, passando as urnas brancas e pretas de mãos em mãos. Tais imagens abrandavam o nosso medo de estrangeiros e mostravam uma peça engendrada com requinte, como se no fim não houvesse senão um empate e um abraço entre todos.
Contra as bizarras sondagens inglesas (já se viu isso em eleições gerais), a contagem deu a vitória à saída da União Europeia, coisa que anda no ar desde as ofensas aos gregos em reuniões de trabalho.
Agora todos, da esquerda à direita, andam por essa Europa fora a fazer ameaças de idênticos referendos: em Portugal, uma importante figura do Bloco de Esquerda gritou que faria um referendo se Bruxelas insistisse em manter sanções contra este país por décimas acima no déficit decretado.
Ora se este rapariga, enrouquecendo, fez esta ameaça de um cantinho partidário, bem se pode imaginar o que vão ser as negociações para consolidar a saída do Reino Unido, horas e horas de senhores cinzentos barafustando não tanto a saída mas a reconquista de um império já inexistente, ou seja, negócios retomados noutra perspectiva, com mais liberdade e menos pressão burocrática. Talvez não passe de uma utopia mas os ingleses sabem tratar de si.
Pelo contrário, o que restará agora da Europa deve revêr-se num trato mais coeso e menos amarrado a regras cruzadas. Porque este espaço e 27 países não se pode tornar numa fortaleza medieval duríssima, flagelando a população no fundo dos altos muros. Dentro, a polícia abre espaço aos carregadores de negócios, enquanto uma espécie de exército espreita as ruas contra os alucinados jihadistas que pululam, convertidos, por toda a parte e que, a qualquer momento, são bem capazes de se explodir no meio de uma praça, gritando Alá é Grande! Estão enganados com as oferendas (femininas) do céu para onde caminham os bocados das almas estilhaçadas. Todos eles já deviam ter aprendido que não há deuses bons que oferecem afecto e mulheres meigas. Em todas as religiões a noção de pecado é maior ou menor mas milenar, com ameaças de castigos sem nome. Todas são assim e o Homem aprendeu a defender-se, não através do nem mas pela guerra e pelos genocídios.
A Europa desta ignóbil Globalização que estragou meio mundo, devia refazer-se com os seus parceiros, jogando pacificamente, sem choques, as bolas de um bilhar simbólico. As soberanias não são mitologias: são a História, a civilização e a cultura. Amarrá-las sobre o bilhar, sem liberdade e sem trocas amistosas, é apenas apressar o Apocalipse.

terça-feira, 31 de maio de 2016

AS INVENÇÕES DEMENCIAIS


                           
                                  as invenções demenciais todas juntas
A descoberta e desenvolvimento da televisão sugere uma revolução  com importantes  efeitos comportamentais e de cultura. A verdade é que muitas coisas mudaram nas comunidades e hoje a mundialização das redes permitem seguir notícias e relevantes acontecimentos em toda a parte do mundo. Mas o mundo é muito grande para que os homens da comunicação se ocupem dele como deveria ser, tanto mais que tudo o que de novo se faz, faz-se em geral para a conquista de poderes das mais diversas naturezas, nomeadamente em vias como a da economia, da finança, do poder. No início, os operadores e senhores da televisão pareciam achar graça a uma coisa de era potencialmente capaz de influir em campos profundos, das ciências às artes. Mas eles faziam sobretudo escolhas naif mais ou menos como as crianças com um brinquedo novo.





Tendo, na última década, atingido capacidade de chegar a todo o planeta, permitindo ver em todas as regiões ligadas às redes e satélites uma vastíssima variedade de acontecimentos e belas peças da nossa geografia, concertos e assembleias dirigidas a muitas populações, é caso para nos perguntarmos porque é que isso não acontece,  não se fez congregadamente? A chegada do homem à lua foi um dos factos históricos mais importantes da História, no século XX e,embora os meios, já avançados, não tivessem expansão actual, uma emissão conectada mostrou em simultâneo, na terra inteira, em tempo real esse assombroso minuto da primeira pégada de um homem  no nosso satélite lateral. Hoje é possível pesquisar e simular o espaço longínquo sem ter que viajar dispendiosamente no espaço.
E o que vemos concretamente? Vemos o uso falacioso e mercantilista  dessa riqueza da teconologia, no hábito de outros planos rotineiros, quer pela ideia de conquista de cada vez mais audiências, quer atraindo gigantescas quantidades de publicidade, num linha economicista e finançeira.
Por mais estranho que pareça, muitos programas são tão ingénuos e revisteiros como no início. O humor não se sofisticou nem inter-agiu como por vezes finge fazer. Entre nós, Portugal, o futebol é protegido como uma preciosa
comunidade alienígena: chega a acontecer não haver, nos canais base das várias estações e suas derivantes, um único espaço livre de futebol. Aliás, como acontece com a chuva de telenovelas ou programas de noticiário (sempre escasso) aquilo a que chamarei a cartelização da publicidade: tudo fica, ao mesmo tempo, tomado de publicidade, nem sequer muito criativa mas barulhenta, todoo espaço televisivo.
Sobre tudo isto haveria muito para dizer, mas como há «vigilâncias» que nos censuram a palavra e cortam o conteúdo, direi apenas que o mundo das telenovelas, podendo ser um meio culturalmente rico, está manietado por maneirismos impertinentes, como nas bandas sonoras, cantigas por tudo e por nada, o falso engenho de abrilhantar a imagem. Além do mais, uma novela como «Coração de Ouro», que ganhou amedalha de ouro e tem imagens de grande qualidade sobre os contextos do Porto e Douro, prende-se a um sinistro enredo de uma rapariga que,na melhor das hipóteses deve representar o Demo ou o que de pior, em inveja, arrogância, atitudes criminais, pode ter a pretensão de representar o homem no seu pior, horas e horas a fio.

Se ligássemos esta narrativa ao feitio dos nossos tutores na Europa, na Comissão, no Eurogrupo, experimentando comparar isso com a ideia  de  uma união de nações, sem regras fechadas nem mais muros em torno do déficit, não haveria espaço para reduzir um novo livro visando a redenção humana. Há quem diga que os Cavalos de Tróia, entrando na Europa aos milhares e preferindo a Alemanha, estão a recomeçar a História antiga. Daqui a um século, os cristãos, eventualmente, sem resgate e já sem fé, poderão ter que se sepultarem por esse Atlântico fora.

sábado, 30 de abril de 2016

UM MEDITERRÂNEO COMO SEPULTURA


                                      

Quem não sabe ler esta arquitectura, simbolicamente, como uma qualquer Babel da Europa, já cheia de gente em gritos contrários uns aos outros -- e por fora, ao alto, deste mesmo lugar em que a fotografámos, ainda não é senão um edifício por acabar, suportes em altura e à espera dos envolvimentos monumentais anunciando o futuro.
E quem não sabe olhar o mundo ao passar, lendo os jornais que misturam o medo com uma actualidade trágica, vagas humanas diversamente acossadas pelo horror de mortes bárbaras, anos e anos um velho território agora em ruínas, devassado pelos daesh radicais, e agora fugindo para o mar Mediterrâneo, centenas de milhares de pessoas, famílias, crianças, todos chantageados por quem lhes aponta as águas na ideia de uma passagem para o outro lado, para a Europa. Barcos de borracha para lotações de vinte pessoas e logo lotados por quarenta, deixando o dinheiro, vestindo falsos salva-vidas, chegando um dia a praias juncadas de cadáveres e doidos em passos de acaso, enquanto a marinha os ajuda a pisar a areia e a livrar-se do frio mortal. Esta história já tem milhões de seres um pouco por todo o lado, viajando a pé por caminhos impossíveis, morrendo os que não correram contra o mar, insistindo os mais novos com crianças aos ombros, todos pelo sonho de uma vida melhor e apesar dos embaraços que alguns países lhes colocam na frente. Eles querem, quase todos chegar à Alemanha. A Alemanha, que praticamente gere os tratados da Europa e sopra para a Comissão Europeia que vigie os países, que os retenha na austeridade, que os faça ajoelhar perante as famosas regras de tratados cada vez mais obsoletos.
Então, para que sítio querem ir? «Para A Alemanha, Suécia, Irlanda, Suiça»
Mas há outros lugares mornos, afectuosos a ocidente, da França à Espanha e a Portugal.
E os mártires respondem: «Não queremos nada disso, Nunca iremos para esses lugares. Queremos uma vida melhor».

                        


    



                                            MAR SALGADO, ESPELHO DOS MORTOS

segunda-feira, 25 de abril de 2016

NADA NOS OBRIGA A ANDAR PARA A FRENTE


Nada nos obriga a andar para a frente. Sempre que passava por aqui, na baixa mar, sentia um fedor de fezes e de limos podres, nascidos das pedras. De forma um pouco maquinal, enviesava a marcha, passos para a direita, até pisar a relva, mas perdia uma decisiva faixa da água do rio, e em boa verdade ela fazia-me falta para ganhar o espaço inteiro  do meu olhar  e das minhas expectativas de percepção: é que nessa zona passavam os barcos de papel que gostava de construir enquanto estava sentado na esplanada, muito para trás, lendo a minha própria escrita em conjugados esforços. As pessoas estranhavam um pouco quer a fase da dobragem dos barcos em papel e alarmavam-se um pouco quando os pousava na água ou quando davam por mim, cem ou duzentos mais lá para a direita, à espera; ou agachado a fitar as pequenas "caravelas" desfilando em direcção (presumiam) à Torre de Belém.
Eu voltava ao meu caminho, já sem papéis nem restos deles nas algibeiras, Andava de novo em frente, ninguém me avisava do contrário, e sem querer desviava um pouco a direcção dos passos para a esquerda, pisando as pedras do longo cais. A maré continuava baixa  como é fácil depreender, mas a aragem das fezes desaparecera, havia sido substituída por um cheiro a certo tipo de algas, algo que lembrava o verdes escuro delas e a salinidade da zona, um odor másculo, salgado, vindo porventura do meio do rio, naquele estuário enorme, onde vogavam com inesperada regularidade grandes navios de carga, pretos em geral,com uma zona baixa que mais parecia ferrugem do que tinta. O fumo deles não agredia o nariz de quem espetava a cara para a sua escala mamutiana. Mas de lá, quando a sua popa se desfocava para a esquerda, para Leste,vinha de lá um vago perfume de alcatrão, aquele mesmo que me fazia parar no asfalto, na parte baixa da minha terra, a sul. Nunca percebi porquê, mas esse perfume casado com a salinidade fazia-me com que o aspirasse profundamene. Quando, enfim, voltava para trás, imaginava outro projecto. E tinha que procurar grandes fragmentos de cortiça, como fazia por vezes, com menos atrevimento, nas arrecadações das fábricas de transformação da cortiça, no sul.
Esta lembrança envolve a ilha do Loge e a ilha da rio Arade, Senhora do Rosário. Porque escrevi ontem sobre elas, o texto descia e o corpo da imagem subia. Atrás acontecera a mesma coisa. Era como andar em frente e a realidade fugir de mim, para trás. Amanhã a história terá sido afundada, já sem palavras nem fotografias, enquanto os meus pés terão de parar no limite dos ferros e da  costa em pedra, obrigados e reverterem a marcha.

domingo, 24 de abril de 2016

O LENTO ANOITECER DO NOSSO DESCONFORTO

A ilha solitária faz-me lembrar dias de infância em que me atrevia a nadar, no rio Arade, da margem até à pequena falésia de uma ilha existente perto da foz do rio Odelouca. Metia-me à água com uma prancha de cortiça que fazia vogar na minha frente até chegar à concavidade arenosa da ilha do Rosário. Isto podia começar  relativamente cedo, nos dias em que a família estava fora. Era uma aventura de rapazola e a resposta ao apelo que descrevi a propósito da ilha do Loge, em Angola. Saltar para um banco rochoso, junto da terra-areia e começar a escalada até domina o planalto da ilha, olhando repetidamente para as ruinas de uma ermida (diziam-me os velhos) e para os buracos da especulação arqueológica. É certo que, naquele tempo, alguma gente ligada à cortiça, operários e trabalhadores do cozimento das  pranchas vindas dos sobreiros.

O Mediterrâneo é um mar interior, ultimamente atravessado por milhares de jangadas de borracha e outras embarcações rudimentares. Multidões inqualificáveis, incontáveis, enchem a dobrar tais meios de transporte. As famílias sírias, entre outras, acumulam-se com os outros e a crianças mal respiram. Tudo isto por causa das guerras desencadeadas na Síria e em volta do Iraque, com maior e mais selvagem incidência pela linha terrorista auto proclamada de Estado Islâmico. Gente sem escrúpulos, no meio dessa lama e do sangue derramado, alicia e compra os que fogem, oferecendo-lhes, por elevados pagamentos, o horror das viagens sem lugar marcado e sem o mínimo serviço para tão convulsivas situações, os que tombam para o mar, os meninos que esbracejam antes dos olhos se imobilizarem, doenças súbitas, distúrbios gástricos e toda a ordem, chegadas que não acontecem, esperas dementes, os minutos do salvamento, as horas de resgate, os campos italianos e gregos, tudo improvisado e sem a avaliação de quem se refugia, de quem pede asilo mas ou menos político, de quem se diz migrante económico .
Em todo este desespero começaram, sem lei nem ordem, as fugas para o interior do continente. Marchas indizíveis, ao sol, à chuva, entre mortos e feridos, entre doentes   e velhos atados a improvisadas padiolas. 
Muitas fronteiras fecham-se, com muros ou paredes de arame farpado, obrigando a circuitos alternativos que nunca aparecem na paisagem, embora a cegueira colectiva arraste uns e outros por infinitos carreiros.

UM LAGO HOJE

Estiveste no Loge e ainda não tinha chegado o 25 de Abril. Amanhã é outro 25 de Abril já em 2016. Longe, a fortaleza não tem soldados nem tipos como tu, olhando melancolicamente para a ilha onde terias (assim pensavas) ancorar um dia. Mesmo que voltasses a nado. 
Sousa Carneiro

A LENTA AGONIA DAS MEMÓRIAS


Longe, a guerra parecia substituída pela paz ou certos sonhos de silêncio. Repenso o rumor das águas do rio Loge, a ilha breve inerte no seu grande estuário. Escrevia: tenho de arranjar uma piroga para remar até além. Apesar desse desejo misturado ao sonho da travessia nunca encontrei a piroga, nem as coisas que poderiam fazer esse papel ou qualquer bóia constituída por pneus, alternativas assim. Eu estava sentado na fortaleza e olhava o recorte da ilha, oblonga, habitada por aves menores mas vibrantes, a esvoaçar. Mas não havia alternativa para essa visita solitária nem garantias de um retorno em forma de memória boa.